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A luta na Comunidade Dilma Rousseff não se restringe apenas à questão de moradia. A batalha diária também é pelo acesso à fonte de renda. O principal meio de trabalho na favela é o comércio ambulante em frente à comunidade, na rodovia BR-465, antiga estrada Rio - São Paulo. Dos moradores adultos, 46% são vendedores no local. Apenas 17% têm emprego formal com carteira assinada e a grande maioria restante está desempregada. O trabalho informal de vendedores ambulantes ainda é a maior fonte de renda na comunidade. Sob sol e chuva, lá estão adultos e adolescentes, entre buzinas e fumaça, sempre prontos a garantir o sustento de seus lares na amarga parada do trânsito.

 O TRABALHO INFORMAL 

O engarrafamento da rodovia lhe permite uma renda mensal de R$ 700,00. Sem conta de água ou energia para pagar, o dinheiro é empregado, em quase sua totalidade, na alimentação dos cinco membros de sua família.

 

— O salário dando só pra sobreviver. Mas graças a Deus que dando, ? Fome, a gente não passa — garante Rosana.

 

Com apenas a 4ª série completa, a vendedora ambulante teme ser retirada de onde mora. Para ela, ainda que o governo a incluísse em um plano habitacional, seria difícil sua readaptação ao mercado de trabalho.

 

— Pela escolaridade que eu tenho, é difícil arrumar um serviço bom com 37 anos na cara. Eles quer mais é jovens. Por isso que eu falo pra minha filha: ‘vamo ter uma vida melhor, nova, não tem mais a perder’ — explica Rosana — Aqui, mal ou bem, temos o nosso ganha-pão. A gente vai pra outro lugar fazer o quê? Mesmo que dessem uma casa, a gente ia tá desempregado. Como é que vai arrumar dinheiro? — argumenta.

 

Rosana reconhece a dificuldade de trabalhar sob fortes temperaturas, mas não se deixa abater pelas barreiras do serviço informal. Determinada, ela se orgulha de poder sustentar a família de maneira digna.

           osana Silva de Sousa, de 37 anos, juntou R$ 2 mil com mais dois irmãos

           e comprou de um senhor um pedaço de terra na Comunidade Dilma Rousseff. Ela conheceu o local por meio de sua mãe, que está lá há mais de oito anos. Desde então, a vendedora ambulante encontrou na rodovia o sustento para sua famíilia.

 

— Eu já trabalhei com sacolão, mas fali. Eu tinha várias barraca, muitas fruta, só que o movimento ficou fraco e tive que jogar minhas fruta tudo fora. E era dinheiro alto — conta ela, que também foi vendedora de cosméticos em portas de shopping centers — Colocava minha banca tudo lá, daqui a pouco tinha que tirar porque se não o rapa [agentes da Ordem Pública] levava tudo. Eu lutei, lutei. Aí falei pra minha mãe: ‘ caindo pra BR! Aqui vai ser meu ganha-pão, aqui vai ser o meu sustento’. E assim levando — completa.

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'Aqui vai ser meu ganha-pão'

— Isso aqui não é pra ninguém, com sol o dia todo, pra cima e pra baixo. Mas só de você botar a cabeça no travesseiro e saber que não tirando de ninguém, apenas do seu suor, ótimo. O importante é ter trabalho. E assim a gente vai levando a vida.

Mesmo sem congestionamento,  a vendedora ambulante Rosana Silva de Sousa faz plantão no local

— Coca, água, Guaracamp, pipocão, latão! — grita Joyce Pereira Neves, de  17 anos, em meio a automóveis presos no congestionamento. A adolescente, filha da moradora Cláudia Pereira da Silva, que tem nove filhos, largou os estudos para ganhar seu próprio dinheiro. Há cinco meses, trabalha de segunda-feira à sabado na estrada para conseguir, nos melhores dias, R$100,00 e, às vezes, R$ 150,00.

 

— Se vende ou não, depende se é dia de sol ou de chuva. Dia de sol a gente vende muito, dia de chuva não vende tanto. No final do mês, é muito difícil tirar R$ 50,00 daqui. Mas do dia primeiro ao dia dez, a gente tira mais — relata Joyce.

Entre o assédio e o trabalho:

'Queria ser médica'

Clique no player para ouvir o chamado de venda da adolescente Joyce Pereira Neves

Quando pode, a jovem se veste melhor como estratégia para atrair clientes. Acostumada a sofrer assédio, ela afirma que é mais comum os homens comprarem com as vendedoras.

 

— Eles fala que eu sou bonitinha, que eu de parabéns, que vai me tirar daqui um dia. Chama de gostosa, mas não saí com ninguém — revela a jovem — Aqui eles compra mais com mulher, pela beleza. Quando tenho tempo, venho arrumada porque aí eu vendo mais. Mas quando não tenho tempo, e engarrafa, tenho que vim correndo, se não acaba o engarrafamento — explica. 

 

A renda que vem do trânsito é distribuída entre compras de novas mercadorias e gastos próprios. O que sobra, vai para a família.

 

— Quando eu sem dinheiro, pego emprestado. Aí com o que ganho, pago umas pessoa que eu devo. É um cabelo que eu faço, uma unha. E quando dá, também ajudo minha mãe dentro de casa com um arroz, um feijão, um pão, uma mistura pra comer — detalha.

 

No momento, Joyce não está estudando. Ela parou no 1º ano do Ensino Médio, mas ainda tem vontade de voltar à escola e fazer uma faculdade.

 

— Eu queria ser médica. Acho uma profissão bonita. Salvar vidas, ? Ajudar o próximo. tentando correr atrás pra voltar a estudar, mas quase não tenho tempo. Fico o dia todo em pé, correndo. Aí quando eu paro, eu cansada, só quero dormir — lamenta a adolescente.

 

A jovem não descarta a possibilidade de conseguir um trabalho com carteira assinada, já que a atual rotina é exaustiva.

 

— Se eu puder arrumar um trabalho de carteira assinada pra sair daqui, eu arrumo, porque eu sei que é uma coisa certa de ganhar meu salário todo mês. Mas aqui é muito puxado, e no calor, então... Quando sol, eu me molho um pouquinho pra me refrescar, mas que aqui cansa, cansa — queixa-se Joyce.

Caminhoneiro um dia,
vendedor ambulante no outro

No congestionamento da rodovia, há quem aproveite a oportunidade para aumentar a renda do final do mês. Com carteira assinada, Ruben Lopes Silva Junior, de 32 anos, trabalha como caminhoneiro um dia, e folga outro. Seu salário, nessa função, é de R$ 1123,00. Nas folgas, atua como vendedor ambulante em frente à Comunidade Dilma Rousseff, chegando a ganhar mais R$ 1.000,00 com o trabalho informal.

 

— Sem a renda de vendedor ambulante ficaria difícil de sobreviver, porque moro com meus três filhos e minha esposa — relata Ruben.

 

A oportunidade de venda na estrada garantiu que a famíia do rapaz saísse do aluguel.

 

— Tenho minha casa que consegui através desse dinheiro que ganho aqui. Graças a Deus, eu  bem e não passo dificuldade financeira.

O empreendedorismo do

casal Wagner e Maria

As vendas no congestionamento podem render um bom dinheiro para quem investe no trabalho e pensa grande. Exemplo disso é o casal Maria Orlandete, de 49 anos, e Wagner Antônio Rodrigues, de 47, que chega a ganhar mais de R$ 4 mil por mês como vendedores ambulantes. Mas a rotina é puxada: há quatro anos, batem o ponto diário no mesmo local, de segunda-feira à sábado, por vezes, das 5h às 22h.

 

— Vendo sacolé, suco da fruta, biscoito, pele de porco, cerveja. Tudo o que me pedem, eu vou vendendo — conta Maria, que adequa suas compras às estações do ano — Se é inverno, pedem biscoito. Se é verão, pedem bebida. E assim a gente vai comprando pra revender.

 

Maria tem prática com vendas desde pequena. Aos 7 anos, quando ainda morava em Teresina, no Piauí, ajudava seu pai como feirante vendendo laranja, banana e abacaxi de porta em porta. Já Wagner teve muitas profissões antes de entrar para o ramo com a esposa: foi soldador, técnico em refrigeração, técnico de máquina de lavar, de máquina de costura, lanterneiro, entre outras. No entanto, por problemas de saúde, precisou abandonar o emprego formal. Hoje, em parceria com Maria, trabalha duro para manter a estabilidade financeira conquistada.

— Não falta nada pra gente. Dá pra ter um luxo, fazer um passeio bom, ter um churrasco de alcatra — afirma Wagner, sorridente.

 

— Hoje tenho três carros, uma moto. Tudo com dinheiro daqui. Fui pro Piauí agora e passei um mês lá com o dinheiro daqui. Eu não tenho filho pequeno, todos estão criado. Gasto só pra me divertir mesmo, viajar. Final de semana, cachoeira, praia. Eu não vivo só pro trabalho. Todo ano tiro minhas féria de um mês — completa Maria, que não quer ter outra profissão — Eu sou costureira profissional na carteira, com renda de mil reais, mas não quero essa profissão pra mim — ressalta.

 

Para Wagner, o principal problema de trabalhar na rua é ficar exposto a sol e chuva. Ainda assim, o bom relacionamento com os clientes é o que dá ânimo para prosseguir no ramo.

Clique no player ao lado para ouvir a própria vendedora ambulante contando sua história de vida

Wagner Antônio Rodrigues, 47 anos, vendedor ambulante

Não falta nada pra gente. Dá para ter um luxo, fazer um passeio bom, ter um churrasco de alcatra"

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— A alegria de trabalhar aqui são os clientes. Muitos se tornaram pessoas íntimas. A gente faz um círculo de amizade muito bom. Têm os mal educados, mas a maioria é muito educada, fazem elogios e dão palavras de apoio — revela ele, com orgulho.

 

É o caso do cliente Alan Cássio, de 37 anos. No dia em que a reportagem 

Wagner e Maria têm planos de sair do comércio de rua para montar um restaurante em frente à casa em que moram há um ano na Comunidade Dilma Rousseff. Os materiais já estão comprados e o dinheiro para as obras garantido, mas o medo os impede de irem adiante com a construção.

 

— Minha visão de crescer é montar um restaurante aqui. A gente já com quase tudo comprado, tudo de madeira colonial — revela Maria — Meu medo de gastar e fazer essa obra é ter que sair daqui. Só de material vou gastar uns R$ 5 mil, fora fogão, panela e detalhes que precisa pra um restaurante. Já com esse dinheiro no banco, mas com medo de fazer. Por isso, vou fazer tudo de madeira. Se tirarem a gente daqui, eu tenho como levar minhas madeira. Essa é a minha tática — explica a vendedora ambulante.

 

A quitinete do casal foi construída para aproximá-los do local de trabalho, o que garante um monitoramento constante do congestionamento formado ao longo do dia. O terreno foi doado por um amigo do casal, embora não dependam do imóvel para morar. Eles mantêm uma casa e três quitinetes alugadas em Nova Iguaçu, fonte de renda extra garantida todo mês.

 

— Aqui é tudo apertadinho, tudo pequenininho. Não cabe nada. Mas só moro aqui por causa do trabalho — diz Maria.

 

Pra mim, isso aqui tá bom demais. O dia que mandar a gente sair, a gente sai — completa Wagner.

esteve no local, o eletricista vinha de Bangu, no Rio de Janeiro, em direção a Queimados, na região metropolitana. Alan fez questão de parar seu carro para comprar com Wagner biscoito e suco para ele, sua esposa e o filho.

 

— Maior engarramento, aí estamos com fome. A gente sabe que vai demorar muito o nosso trajeto. Aí gente para e dá uma força pro pessoal que vendendo. São pessoas que não têm de onde tirar o sustento, não têm carteira assinada. Aí acabam tendo que pular pra esse lado mesmo,? — diz o eletricista, que costuma comprar alimentos com vendedores ambulantes.

O trabalho informal não é apenas uma realidade da Comunidade Dilma Rousseff. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2012, o contingente de mão de obra informal girava em torno de 22% do total da população do país — o que equivale a 44,2 milhões de pessoas de um total estimado de 193 milhões de brasileiros.

 

Para o professor de Desenvolvimento Econômico da UFRRJ, Cezar Guedes, esse tipo de renda é, ao mesmo tempo, positiva e negativa, porque mais do que uma estratégia de sobrevivência dos trabalhadores é, também, resultado da desigualdade social, que é marca no país.

 

— O setor informal é paradoxal. Ao mesmo tempo em que ele é solução, é problema. É solução porque a pessoa não tem respaldo familiar, não tem política pública ou emprego, pois não está qualificada. Então, é uma estratégia de sobrevivência, ainda que a pessoa esteja trabalhando para ter o prato de comida do dia seguinte. É problema também porque se a pessoa se acidenta, adoece, falece ou fica impossibilitada de exercer seu trabalho, ela fica sem renda e ainda sem o amparo do governo — esclarece o professor.

Economista avalia a situação
do trabalho informal

"Comunidade Dilma Rousseff - Uma luta por moradia" é uma reportagem especial para a disciplina Projetos Profissionais em Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Produção: Alerrandre Barros, Andreza Almeida e Gian Cornachini. Copyleft 2014. O conteúdo deste site está liberado para repodução, desde que a fonte seja mantida.

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