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 Na expectativa de conquistar um lar, dezenas  de famílias deixaram suas origens para  construir uma nova vida. Ao chegar à  pequena Comunidade Dilma Rousseff,  porém, os moradores acabaram se deparando com as  dificuldades e a experiência de estar em um  local novo, desconhecido, com uma história  ainda em construção. E dessa inesperada  descoberta, diferentes pessoas dão um  sentido

 próprio à sua luta.

 RETRATOS 

             ãe de nove filhos. Quatro casamentos. Um sonho: reformar a casa

             precária de três cômodos onde mora com 11 pessoas. Cláudia Pereira da Silva, de 40 anos, nasceu em Piabetá, bairro de Magé, na região metropolitana do Rio de Janeiro, cresceu na favela Santa Marta, na capital, e morou na Cidade de Deus antes de chegar à comunidade Dilma Rousseff. Com bom humor, ela não se deixa abater pelas dificuldades do dia a dia.

 

A família é grande: cinco filhos do atual casamento, dois do primeiro, outros dois de pais diferentes, marido e genro. Já o espaço é pequeno. A casa tem apenas um quarto, uma cozinha e um banheiro. O chão é de terra batida, onde todos dormem em três colchões de solteiro. Há só uma cama, que é do filho mais velho. Não há chuveiro, e o banho é tomado por meio de um cano ligado por uma mangueira à torneira da cozinha.

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Doze pessoas e um quarto

Cláudia não nega o sufoco que sua família passa. Mesmo assim, valoriza o pequeno pedaço de terra em que mora.

 

— Temos algumas dificuldade: falta de médico, posto de saúde, lazer. Mas eu gosto de morar aqui. É um lugar tranquilo pras criança. Na época que eu morei em Santa Marta era época de guerra mesmo, violência. Aqui é tranquilo e calmo — ressalta.

 

Assista ao depoimento de Cláudia sobre sua história de vida:

A igreja

Todo sábado, alguns moradores da comunidade se reúnem na igreja evangélica Casa de Oração. O templo fica nos fundos do quintal do pastor Vagner e, apesar das 12 fileiras de bancos, poucos fiéis frequentam os cultos.

Clique no player ao lado para ouvir Israelly Coelho dos Santos, de 14 anos, filha do pastor Vagner, cantando "Aceito o Teu Chamado", da cantora Bruna Karla, durante um culto da manhã de sábado 

Durante a segunda pregação do dia, um ministro convidado orientava a igreja sobre a importância de separar um tempo para falar com Deus. No final do sermão, ele perguntou aos fiéis se assistir televisão faz mal.

 

— Faz! — respondeu, contido, um fiel no último banco da igreja. O pregador o corrigiu — Faz não, ? Mas, muitas vezes, você fica uma hora, duas hora na frente da televisão vendo as coisa do mundo e deixa, às vezes, de  sentado vendo as coisa da Bíblia pra deixar Deus falar contigo — explicou.

A Casa de Oração é uma igreja bastante conservadora. Somente os homens podem pregar o Evangelho de Jesus e ensinar os costumes e a doutrina no púlpito

A Casa de Oração é uma igreja bastante conservadora e tradicional. As mulheres podem testemunhar e cantar louvores durante o culto, mas somente os homens, chamados de “varões”, pregam o Evangelho de Jesus e ensinam os costumes e a doutrina no púlpito. Os fiéis usam roupas “bem comportadas”, como calças e camisas de manga comprida para os homens, e saia longa e véu para as mulheres. O sábado é um dia santo para eles.

 

— O véu na cabeça das irmã batizada é ensinamento dado pelo apóstolo Paulo, na primeira carta aos Coríntio, capítulo 11, versículo 6 — comentou o ministro Paulo, durante a primeira pregação da manhã, direcionado-se aos jovens presentes no templo.

 

No dia em que a reportagem participou de um dos cultos na comunidade, 16 fiéis, entre eles crianças, adolescentes e idosos, se revezavam nos cânticos pentecostais entoados com o auxílio de play-backs. A liturgia do culto não é fixa, e os pedidos para testemunhar são livres. Os fiéis levantam as mãos e pedem a oportunidade ou o pastor Vagner convida algum irmão para ir à frente adorar a Deus. Eles interagem com o dirigente do culto o tempo todo, inclusive no período dedicados aos sermões.

O telhado de amianto aumenta ainda mais o calor dentro da igreja. Naquela manhã de verão, o pastor Vagner, incomodado com a situação, andava de um lado para o outro tentando consertar um ventilador preto. Por volta das 11h30min, o pastor desistiu do ventilador e pegou o microfone. Ele começou a pregação exortando os fiéis que teriam faltado aos cultos, que também acontecem nas terças e quartas-feiras. Os crentes glorificavam e concordavam com “améns” e “glória a Deus”.

 

O primeiro culto do sábado terminou ao meio-dia e os fiéis foram para a varanda do pastor almoçar. A tarde seria dedicada à integração entre eles para, horas depois, voltarem ao templo para o culto da noite. Enquanto isso, as crianças se espalhavam pelo quintal de Vagner.

 

— A garotada fica aqui durante o dia, durante a noite, dormem, assistem um filme. A gente faz brincadeira, senta, conversa. A gente gosta, né?. É um ambiente que eles gostam. E vem, come, bebe. ‘Já tomou café? Toma’. ‘Já almoçou? Almoça’ — destaca o pastor.

Quem passa em frente à comunidade pode observar rostinhos de muitas crianças brincando, seja à beira da pista ou terreno adentro, no mato, na lama. Elas sempre arrumam um jeito de se divertir. Há os que preferem soltar pipa, brincar de esconde-esconde e pega-pega. Outros, na falta de brinquedos, utilizam da criatividade para fazer bonecos de barro.

 

— A gente não tem nada pra  fazer, aí inventamo alguma coisa. A gente gosta de brincar com lama pra fazer bonecos — conta Emanuelly Coelho, de 12 anos, filha do pastor Vagner.

 

E ela e suas amigas já têm prática na confecção. Em 15 minutos, as meninas modelam, pintam e exibem as peças inspiradas no cotidiano local, como uma mulher segurando um bebê.

 

— Ah, elas brinca assim mesmo. Tudo é diversão pra elas aqui — diz o pastor Vagner — São ingênuas, ? — afirma.

 

Assista ao vídeo das crianças confecionando bonecos de lama:

A criatividade a favor da diversão

Nem todos os moradores se sentem parte da comunidade Dilma Rousseff, tampouco sabem ou se interessam pela luta em prol da legalização das terras. Um jovem — que terá a identidade preservada nesta reportagem — é exemplo de quem deseja sair de lá. O rapaz chegou à favela depois de decidir largar o tráfico de drogas onde morava em outro bairro carente da Zona Oeste do Rio de Janeiro. A atitude foi tomada após a morte de seu melhor amigo, principal parceiro de facção. Sem poder permanecer no local, o jovem foi forçado a se mudar para um lugar mais distante. O medo de perder a vida o fez se arrepender do passado criminoso. O que resta, ainda, é a vontade de alcançar bens que antes conseguia de maneira ilegal.

Do tráfico ao recomeço

Clique no player ao lado para ouvir o depoimento do jovem que se

refugiou na Comunidade Dilma Rousseff e abandonou o crime

A alegria de ter um cômodo

— Tava passando na rua e não tinha onde morar. Aí passei aqui perguntando onde tinha um cantinho pra fazer um barraquinho — conta Ademir de Oliveira, que morou sete meses na rua antes de construir sua casa na Comunidade Dilma Rousseff. Sem dinheiro, ele pediu ajuda ao seu irmão, que comprou os materiais para as obras do único cômodo em que vive.

 

Ademir, de 45 anos, nunca foi casado, e teve que sair de onde morava com a companheira para poder trabalhar e sustentar seus cinco filhos.

Ademir se sustenta catando sucata e garrafa PET. Quando surge uma oportunidade na construção civil, ele também trabalha como ajudante de obras. A nova vida na comunidade está sossegada para alguém que já passou dias amargos nas ruas.

 

— Eu gosto de ficar aqui, porque quem mora na rua não dorme, pode chegar uma pessoa e fazer covardia. Aqui é uma bênção pra mim — valoriza Ademir.

Ademir de Oliveira, 45 anos,
ex-morador de rua

Eu gosto de ficar aqui, porque quem mora na rua não dorme, pode chegar uma pessoa e fazer covardia"

"

— Ela bebia demais e eu não tinha condição de cuidar dos nosso filho. Tinha que trabalhar. Aí eu arrumei uma senhora que ficou com eles pra mim poder tentar a vida — conta ele.

 

No entanto, os trabalhos que Ademir encontrava não foram suficientes para retomar sua vida em família, pois o dinheiro que ganhava mal pagava suas despesas.

Entre as dificuldades que enfrentou, chegou a morar de favor em uma casa que caiu com uma forte chuva. Também já viveu na rua, em um caminhão abandonado, e foi acolhido em um abrigo em Itaguaí, na Baixada Fluminense. Porém, não se adaptou à rotina de lá.

 

— Abrigo já fiquei, mas não gostei. Eu trabalhava lá mesmo, cuidava da horta. Mas achei que ficava muito preso, queria trabalhar pra fora, mas tinha que ficar lá mesmo.

 

Há poucos meses na comunidade, Ademir vive em uma casa de tijolos sem reboco, com telhados de amianto. O imóvel, com cerca de 6 metros quadrados, conta com móveis doados, como um sofá de dois lugares, um fogão e uma geladeira em más condições de uso. Ele dorme e cozinha no mesmo cômodo, e quando não tem gás, usa uma churrasqueira improvisada para fazer arroz, feijão, ovo e, às vezes, carne doada pela vizinha.

"Comunidade Dilma Rousseff - Uma luta por moradia" é uma reportagem especial para a disciplina Projetos Profissionais em Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Produção: Alerrandre Barros, Andreza Almeida e Gian Cornachini. Copyleft 2014. O conteúdo deste site está liberado para repodução, desde que a fonte seja mantida.

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